terça-feira, setembro 13, 2005

Desejo

“Desejo primeiro que tu ames e que, amando, também sejas amado.

E que, se o não fores, sejas breve em esquecer e,
esquecendo, não guardes mágoa.

Desejo, pois que não seja assim, mas se for,
saibas ser sem desesperar.

Desejo também que tenhas amigos,
que mesmo maus e inconsequentes,
sejam corajosos e fiéis, e que em pelo menos um deles
tu possas confiar sem duvidar.

E porque a vida é assim, desejo ainda que tenhas inimigos;
nem muitos, nem poucos, mas na medida exacta para que,
algumas vezes, te interpeles
a respeito de tuas próprias certezas.
E que, entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
para que tu não te sintas demasiado seguro.

Desejo depois, que sejas útil, mas não insubstituível.
E que nos maus momentos, quando não restar mais nada,
essa utilidade seja suficiente para te manter de pé.

Desejo ainda que sejas tolerante;
não com os que erram pouco,
porque isso é fácil,
mas com os que erram muito e irremediavelmente.
E que, fazendo bom uso dessa tolerância,
tu sejas exemplo para os outros.

Desejo que tu, sendo jovem não amadureças depressa demais,
e que sendo maduro, não insistas em rejuvenescer e que,
sendo velho, não te dediques ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor
e é preciso deixar que eles escorram por entre nós.

Desejo por sinal que tu sejas triste,
não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubras que o riso diário é bom;
o riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que tu descubras, com o máximo de urgência,
acima e a despeito de tudo,
que existem oprimidos, injustiçados e infelizes,
e que estão à tua volta.

Desejo ainda que tu afagues um gato, alimentes um cuco e
ouças o galo erguer triunfante o seu canto matinal.
Porque assim, vais-te sentir bem por nada.

Desejo também que tu plantes uma semente,
por mais minúscula que seja... e acompanhes o seu crescimento,
para que saibas de quantas muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo que tenhas dinheiro,
porque é preciso ser prático.
E pelo menos uma vez por ano coloques um pouco dele
na tua frente e digas "Isto é meu",
só para que fique bem claro quem é o dono de quem.

Desejo também que nenhum dos teus afectos morra,
por ele e por ti, mas que, se morrer,
tu possas chorar sem te lamentares e sofrer sem te culpares.

Desejo por fim que, sendo tu um homem, tenhas uma boa mulher,
e que, sendo uma mulher, tenhas um bom homem.
E que se amem hoje, amanhã e no dia seguinte.
E quando estiverem exaustos e sorridentes
haja amor para recomeçar.”

In “ O DESEJO” de Vítor Hugo.